Francisco de Assis e a Natureza



Frei Gabriel Dellandrea, ofm

A cultura sobre a história de vida de um santo é muito comum no ambiente religioso cristão. Com São Francisco de Assis não é diferente. A ele são dadas muitas características e títulos, mas um deles, talvez o mais em voga, é o santo padroeiro da ecologia.

Por isso não é difícil de encontrar imagens do santo com animais, textos e reflexões acerca da relação de Francisco com a natureza e filmes que ilustram um olhar romântico do Santo de Assis em relação à criação de Deus.

Todavia, tendo contato com os textos franciscanos percebi que há uma riqueza na compreensão da palavra natureza, que em sua raiz latina lembra o ato de nascer, ou seja, natureza é tudo o que existe no universo, que nasceu, tem vida. Sendo assim, Francisco de Assis tem um olhar muito carinhoso para o sol, a lua, as estrelas, o vento, o fogo, a água, a terra, as flores, frutos e animais. Basta lembrarmos do Cântico das Criaturas, onde ele percebe que cada elemento da criação louva a Deus da sua forma. Também é importante ressaltar a relação do santo com os animais, como por exemplo, com as aves, a qual, segundo seus hagiógrafos, chamava-as de irmãs.

Mas Francisco de Assis também tinha uma compreensão alargada de natureza que pude parar para perceber. Talvez eu tenha deixado de compreender que esta palavra também contempla o homem. E o santo mostra muito bem que natureza é tudo o que possui vida.

Por isso, mais de duzentos anos depois da morte de Francisco, quando no tratado sobre a Dignidade Humana de Giovanni Pico Della Mirandola, aparece: “Grande milagre, ó Asclépio, é o homem”, vemos uma dinâmica já pensada por Francisco de Assis. Basta recordarmos a quinta admoestação que ele deixa aos seus seguidores: “Considera, ó homem, a que excelência te elevou o Senhor, criando-te e formando-te segundo o corpo à imagem do seu dileto Filho e, segundo o espírito, à sua própria semelhança”.

Francisco compreende o homem como parte da criação divina, por isso, tanto o sol, como as estrelas, as aves, as plantas e os homens são irmãos. Talvez isso seja um fio condutor para repensarmos o valor exagerado dado às hierarquias humanas. Francisco de Assis resgata não só a dignidade dos elementos da natureza, como também dignifica aquilo que a sua sociedade desumanizou. Basta que vejamos seu testamento: “Foi assim que o Senhor me concedeu a mim, Frei Francisco, iniciar uma vida de penitência: como estivesse em pecado, parecia-me deveras insuportável olhar para leprosos. E o Senhor mesmo me conduziu entre eles e eu tive misericórdia com eles”.

O santo fez a experiência de se encontrar com aqueles que na hierarquia medieval eram colocados fora dos muros da cidade, os leprosos, para dizer que lá ele encontrou a doçura do amor de Deus, o Criador. Outra grande mudança que Francisco fez na sua época foi em relação às indulgências. Só as conseguia quem as adquirisse. Francisco pede ao Papa e recebe a graça de que todos aqueles que entravam na capelinha de Santa Maria dos Anjos receberiam a misericórdia divina. Um grande passo, pois os que não possuíam bens poderiam então receber a misericórdia de Deus, o que hoje para nós já é inconcebível a paga por indulgências.

Também é importante destacar que Francisco chama todos de irmãos, tanto pobres como ricos, e sabe estar com ambos, sem extremismos ou preconceitos. Essa relação de Francisco é pura natureza, perceber que todos os homens, irmãos das criaturas, são irmãos entre si. Este é na verdade, o mandamento de amor do Cristo, que Francisco apontou como solução para resolver as mazelas humanas, que até hoje tem sua atualidade, uma vez que o homem deve superar sua ideia de sozinho e isolado, mas parte de uma criação, com criaturas que realizam uma interligação entre os elementos da natureza e os próprios seres humanos.