Queridos irmãos e irmãs, o Senhor lhes dê a paz! Com esta saudação, que São Francisco nos ensinou, nos dirigimos a vocês com esta carta no início de nosso mandato. Como Definitório Geral gostaríamos, em primeiro lugar, de dizer-lhes que queremos responder com todas as nossas forças ao chamado que Deus e o Capítulo Geral nos fizeram confiando-nos este encargo. Faremos tudo para servir a fraternidade universal da Ordem realizando nossa tarefa de animar e guiar nossos irmãos para uma fidelidade sempre maior àquilo que prometemos a Deus. Pedimos a oração e a ajuda de cada um de vocês para que, juntos, possamos viver a nossa vocação.
Ao aproximar-se a festa de São Francisco deste ano, parece-nos importante retomar em nossas mãos e iniciar juntos uma reflexão sobre a Encíclica Laudato Si’ (
saiba mais), que o Papa Francisco nos encaminhou na última festa de Pentecostes “sobre o cuidado da casa comum”. Sentimo-nos chamados à causa duas vezes: como todos os homens de boa vontade, pois o sucessor de Pedro dirigiu-se a todos nós, e como

franciscanos, pois a referência a Francisco de Assis percorre este texto desde o seu título. O próprio Papa justifica esta referência dizendo:
“Acho que Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade” (n.10). Esta ideia de
“ecologia integral” percorre toda a Encíclica e quer recordar-nos que o problema ecológico não é uma questão setorial, limitada à relação com o meio ambiente entendido no sentido estrito, quase uma espécie de jardinagem, mas trata-se de um conjunto de problemáticas amplas, como a justiça nas relações sociais, no empenho pela paz, no respeito pela vida, que estão diretamente ligados ao problema do meio ambiente. Relações justas entre as pessoas e os povos refletem-se em uma relação justa com o meio ambiente, enquanto que exploração e injustiças nas relações humanas geram exploração e contaminação das riquezas naturais. Quando se fala de
“ecologia integral” convida-se a um olhar amplo do todo, que veja a profunda relação que liga a contaminação, a questão da água, das mudanças climáticas e a perda da biodiversidade com a degradação social, a deterioração da qualidade de vida humana e a iniquidade planetária. O Papa inclina-se sobre a prospectiva integral desta ecologia, mostrando os diversos âmbitos nos quais desenvolvem-se, falando da ecologia ambiental, econômica e social, completamente ligadas entre si, como também de ecologia cultural, referindo-se à vida cotidiana. O Papa convida especialmente os cristãos a uma
“conversão ecológica”, retomando as convicções da nossa fé e denunciando que muitas vezes se trata de uma dimensão que falta em nossa espiritualidade.
“Falta-lhes, pois, uma conversão ecológica, que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa. Recordemos o modelo de São Francisco de Assis, para propor uma sã relação com a criação como dimensão da conversão integral da pessoa” (n. 217-218).
Nós retomamos alguns pontos da Encíclica para ainda estimular cada um de nós e, se fossenecessário, relê-la, meditá-la e fazê-la objeto de discussão fraterna. Trata-se de um tema que verdadeiramente nos diz respeito, como frades menores, seguidores de Jesus do jeito de São Francisco de Assis. São Francisco nos convida para olhar a criação com olhos espirituais, isto é, animados pelo Espírito do Senhor e feitos olhos que creem para ver melhor toda a realidade. Um ótimo exemplo ele mesmo nos dá através do Cântico das criaturas: dentre elas lembra-se em primeiro lugar do sol, e ele diz que
“ele é belo e radiante com grande esplendor: de Ti, Altíssimo, traz o significado”. O olhar de cada ser humano pode dizer que o sol é belo e luminoso: no olhar de Francisco que crê acrescenta que o sol nos lembra Deus, usando a empenhadora palavra
“significado”. É bonito notar que o olhar do cristão não vê um sol diferente das outras pessoas: na mesma realidade que todos veem, nós cristãos podemos lançar um olhar mais penetrante, que vai além da superfície e colhe o mais profundo
“significado”. A fé não nos faz ver um mundo diferente daquele real, mas nos faz ver de modo diferente o mesmo mundo. Este olhar diferente poderá ter um efeito benéfico também na perspectiva do cuidado do meio ambiente. A partir da fé, podemos recordar a nós mesmos e ao mundo que a realidade natural, a água, o ar, a terra, as matas, são também criaturas de Deus. Esta observação, elementar para cada cristão, tem um efeito benéfico de fazer-nos sair de uma relação bipolar homem-natureza, pois insere um terceiro elemento nesta relação que, de outro modo, corre o risco de tornar-se conflituosa: o terceiro elemento necessário é Deus. Se em nossa consideração existem somente o homem e as realidades naturais, surge um conflito para estabelecer quem manda dentre os dois; se, ao contrário, nos recordamos que, seja o ser humano, seja a natureza, somos criaturas de Deus, reconhecendo que a origem de tudo é Ele, que está acima de nós, então reencontraremos o equilíbrio de uma ralação pacificada.

Outras considerações podem surgir de um olhar sobre a experiência espiritual de Francisco de Assis: o seu convite à pobreza torna-se modelo de uma sobriedade no uso das riquezas naturais, que hoje é sempre mais indispensável e que deveria marcar nosso estilo de vida. A sua relação fraterna, não só com pessoas, mas também com os animais e as coisas pode nos ensinar uma maneira diferente de entrar em relação com a vida, com as pessoas com quem nos encontramos e com as coisas que usamos. Seria tão bonito tornar-se
“irmãos universais”, como São Francisco nos ensina e como a nossa vocação de frades menores nos pede! Este conhecimento ecológico fez um caminho em nossa consciência de frades menores nos últimos decênios. O nosso Capítulo Geral de 2003 modificou o texto do primeiro artigo de nossas Constituições Gerais, lá onde se descreve a nossa identidade fundamental, acrescentando ao final do parágrafo 2, que já falava de
“pregar por obras a reconciliação, a paz e a justiça”, a expressão
“e mostrar o respeito pela criação”. Foi o reconhecimento de que o cuidado pela casa comum faz parte do essencial do nosso carisma; talvez seja útil recordá-lo hoje, doze anos depois, para interrogar-nos que caminhos percorremos concretamente desde 2003. Todos sabemos que a mudança no texto das Constituições, como tantas declarações, poderia ficar apenas no papel: trata-se de mudar também as práticas de nossa vida.
Muitas outras reflexões poderíamos fazer, e esperamos que sejam feitas, seja pessoalmente seja comunitariamente, em nossos encontros fraternos. Gostaríamos também de convidar todos nós para procurar traduzir estas reflexões em decisões que sejam também escolhas concretas. É verdade que uma boa teoria é necessária para uma boa prática, mas da mesma forma também é verdade que, sem a prática, a teoria permanece estéril. São Francisco nos lembra que não é suficiente
“ter o espírito do Senhor”, mas que é necessário também “a sua santa operação”. A consciência de que a água é um bem preciso deverá então manifestar-se também em uma disciplina pessoal e comunitária que busque evitar os desperdícios inúteis que podem aparecer facilmente em alguns países. As reflexões sobre os excessivos consumos energéticos, fonte de poluição, deverão influenciar também sobre a utilização pessoal e comunitária da eletricidade, do aquecedor, do ar condicionado ou de aparelhos de refrigeração. As informações sobre o problema do acúmulo de lixo, sobretudo de plástico ou não biodegradável, e sobre sua decomposição deverão orientar o nosso comportamento na utilização de detergentes e no acúmulo de lixo que possam decompor-se de maneira adequada. Também como consumidores (visto que inevitavelmente nós também o somos) deveremos aprender a escolher as nossas compras considerando também outros elementos de caráter ético, além da conveniência econômica e da comodidade. Trata-se de considerações muito práticas que poderiam continuar. Como Definitório Geral queremos que esta consciência se traduza em um renovado estilo de vida, em nossa Cúria Geral e em todas as Fraternidades da Ordem.
O nosso irmão São Francisco nos ajude e nos acompanhe neste caminho de conversão, ao qual o Papa Francisco nos chama com força e urgência. Façamos tudo o que for possível diante do grave perigo em que se encontra a Criação e das necessidades de tantos irmãos e irmãs que requer nossa solidariedade e acolhida. Seremos, então, construtores de um futuro de paz, sustentável e fraterno para nossa Casa comum e para todos nós.
A bênção de Deus desça sobre nossas Fraternidades e sobre cada um de nós como sinal de sua

presença de comunhão e de amor.
Roma, 17 setembro de 2015
Festa dos Estigmas de São Francisco
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