Domingo de Pentecostes: O Espírito do Senhor encheu o universo inteiro



Frei Dorvalino Fassini, ofm

Introdução

Domingo passado, na sua Ascensão ao Céu, Jesus entregou aos Apóstolos a missão de evangelizar todos os povos. Mas, eles ainda não haviam sido batizados para esta missão. Faltava Jesus incendiar-lhes o coração com o fogo, o poder de sua Paixão. Este milagre vai acontecer hoje: Solenidade de Pentecostes.

1. Pentecostes e sua história
Pentecostes, para os antigos judeus, era a festa das colheitas na qual celebrava-se, também, a aliança que Deus estabelecera com eles através da Lei dos Dez mandamentos confiada a Moisés no alto do monte Sinai. No embalo e na memória deste dom antigo, a Igreja celebra hoje o dom da nova Aliança, assinalada, agora, no coração de seus fiéis pelo sangue de Cristo derramado em sua crucificação no alto do monte Calvário. Nunca é demais repetir que tudo se dá na Cruz. É neste grande Ato que Deus comunica a eles e a nós o Amor “maior” e os capacita a doar a vida por seus amigos e inimigos.

Este novo dom de Cristo aos apóstolos se revelou em toda a sua plenitude, cinquenta dias depois, através de alguns sinais muito expressivos, principalmente por um vento impetuoso que encheu todo o lugar onde se encontravam reunidos e por línguas de fogo que, vindas do alto, pousavam sobre a cabeça de cada um deles e de Maria, ungindo-os, assim com a Potência de Deus, bem como com a graça da comunhão entre povos diversos e de línguas diferentes.

O Espírito Santo, porém, já vinha se manifestando ao longo de toda a História Sagrada. No livro do Gênesis, por exemplo, aparece como Sopro (Ruach) que dá vida, alma, ânimo, às criaturas e ao homem: “O Senhor Deus soprou-lhe nas narinas o Sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente” (Gn 2,7). É através dele, também, que alguns fiéis se tornam heróis como Sansão, pastores como Moisés e os juízes, profetas como Elias, Jeremias, Isaías, etc.

Mas, é em Cristo que sua ação se revela em toda a plenitude. É pela ação dele que o Verbo se faz Carne no seio da Virgem Maria; é o mesmo Espírito que toma conta de Jesus no Batismo, incendiando-lhe o coração de amor e de paixão pelo Pai e pelos homens, principalmente pelos mais abandonados, doentes e pecadores; é ele ainda quem sustenta Jesus nas tentações do deserto e em todo o percurso de toda a sua vida pública, culminando na grande provação do abandono pelo Pai na Cruz.



2. Pentecostes, a plenitude do Espírito Santo
Segundo São Gregório Nazianzeno (séc. IV), a presença e a atuação do Espírito Santo através de Cristo nos discípulos se dá em três períodos diferentes e de três modos diferenciados. Primeiramente, e de modo obscuro, o Espírito Santo atuava nos Apóstolos pelo simples fato de conviverem com Jesus e seguindo seus passos e ensinamentos. Em segundo lugar, e de modo mais explícito, depois de sua glorificação pela ressurreição. Neste momento, o Espírito Santo atuava nos discípulos como o Sopro do Cristo ressuscitado que lhes foi comunicado e que lhes deu o poder de perdoar os pecados, fazendo-os comungar, assim, da reconciliação com os homens que o Pai quis realizar pelo Filho, por meio de sua morte e ressurreição. É o que nos recorda o evangelho de hoje. Finalmente, após a Ascensão ou o regresso do Filho aos céus, no Pentecostes, a atuação do Espírito nos discípulos se manifestou de modo novo, mais evidente e pleno como vemos na primeira leitura da Liturgia de hoje. Agora não está mais presente apenas de modo velado, como Potência do Alto, mas de modo desvelado, essencial, substancial, Ele mesmo, em Pessoa, fazendo de nosso mundo, de cada criatura e de cada um de nós sua habitação, o céu na terra, Deus no homem para que a terra estivesse no céu e o homem em Deus. Eis o sentido novo da história e da humanidade, que reúne todos os homens, de todas as tribos, línguas, povos e nações.

O que hoje se celebra, portanto, é o ápice, o coroamento, a plenitude de todas as manifestações, vindas, revelações, de todas as operações ou doações que Deus faz de Si mesmo, como muito bem o proclama a Antífona da Entrada: “O Espírito do Senhor encheu o Universo inteiro, Ele mantém unidas todas as coisas e conhece todas as línguas, aleluia!”

Cumpriu-se, assim, a promessa do Pai, a saber, de derramar o Espírito Santo universalmente, conforme a profecia de Joel: “Derramarei o meu espírito sobre todo o ser vivo: vossos filhos e filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e os vossos jovens terão visões; também sobre os meus servos e servas derramarei, naqueles dias, o meu espírito” (Joel 2, 8).

Ao dar-nos seu espírito, como nos deu, o Pai nos deu tudo ou melhor o Todo de Si mesmo e de uma só vez. Cometeríamos, pois um grande agravo a Deus esperar por outra vinda, outro dom do Espírito Santo não confiando neste que está aí, de modo definitivo e eterno, em nossos corações, aguardando nossa acolhida.

3. Pentecostes e a Igreja
Costuma-se dizer que foi neste dia de Pentecostes que nasceu ou que foi fundada a Igreja. Na verdade, o que hoje acontece é a epifania da Igreja, que, como diziam os Padres da Igreja, existe desde o primeiro justo da história, Abel, figura de Cristo. Com efeito, no Antigo Testamento, no Povo de Deus (Qahal = Ekklesia = Assembleia dos Chamados), fundado sobre os doze patriarcas, já se prefigura, o novo Povo de Deus, inaugurado e instituído por Jesus Cristo, e fundado sobre o testemunho dos doze apóstolos. Assim, o que acontece hoje é sua manifestação pública, solene e oficial tanto para judeus como para todo o mundo. Cristo já a havia inaugurado e instituído na solene noite de sua Despedida quando, na última Ceia, ordenara os Apóstolos viverem segundo a Potência do mandamento do novo amor, inaugurando assim uma nova Humanidade, uma nova História. Hoje, portanto, o Pai confirma publicamente, com o Envio do seu Espírito, o que o Filho havia instituído cinquenta dias antes. São Paulo, na segunda leitura de hoje, expressa esta congregação de povos pelo Espírito: “Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nós foi dado a beber um único Espírito” (1 Cor 12, 13).

Por isso, membros deste Corpo, desejemos, acima de tudo o “Espírito do Senhor e sua santa operação”, como dizia São Francisco. Que nós suspiremos, a cada dia pelo Espírito Santo, pelo devir de sua graça em nós, pelas virtudes gratuitas que ele concede – fé, esperança e caridade –, pelos seus sete dons (temor, piedade, ciência, fortaleza, conselho, inteligência e sabedoria) e pelos seus frutos: amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé, doçura, domínio de si (cfr. Gl 5, 22). E supliquemos:

Sem a vossa força
E favor clemente,
Nada há no homem
Que seja inocente...



4. Nomes e benefícios
O mistério do Espírito Santo e de sua operação, por ser o próprio Deus, ultrapassa todas as nossas tentativas de compreendê-lo. A Sagrada Escritura fala muito em Sopro. Trata-se do “sopro vital da própria ternura do amor do Deus de Jesus Cristo”, “que é tudo em todas as coisas” (Harada). O salmo de hoje canta este Sopro Sagrado do Pai e do Filho atuante em todas as criaturas, dizendo: “Se lhes tirais o alento, morrem e voltam ao pó donde vieram. Se mandais o vosso Espírito, retomam a vida e renovais a face da terra” (Sl 103/104).

A esse Espírito a Igreja clama, na Sequência da missa de hoje, como “Pai dos pobres”. Ele é o vigor da ternura de Deus que atua na nossa fraqueza. O seu gemido, como o gemido amoroso da pomba, nos consola e nos faz companhia. Segundo a lei do amor, pobre se une a cada pobre como pobre.
O Espírito Santo, como diz o Evangelho de João (14, 16), é, pois, “outro Paráclito”, que, como o primeiro Paráclito, que é o próprio Jesus Cristo, intercede por nós junto do Pai e nos dá o encorajamento, isto é, nos anima e alivia em nossas aflições (Cfr. 1 Jo 2,1). Assim, o Pai é consolador (“Pai de toda a consolação”), o Filho é consolador, o Espírito Santo é consolador. Os três, como um só Deus Consolador, se juntam à nossa solidão para nos fazer companhia, uma companhia íntima, que nos dissipa toda a desolação e nos enche de ânimo e de alegria. Por isso, a Igreja, na mesma Sequência da missa de hoje, diz:

Vinde, Pai dos pobres:
Na dor e aflições,
Vinde encher de gozo
Nossos corações.

Quem compreendeu e viveu profunda e intensamente o mistério desse Dom supremo de Deus aos homens foi São Francisco. Expressões como “ébrio”, “cheio do Espírito Santo”, “movido” ou “tomado pelo Espírito” proliferam em suas Legendas. Chegou a chamar a atenção dos frades para o fato de que não são eles, mas sim “o Espírito do Senhor, que habita nos seus fiéis, quem recebe o santíssimo corpo e sangue do Senhor” (Ad 1). Determinou ainda que todos os Capítulos se realizassem na Festa de Pentecostes para que então os frades sentissem mais de perto que eles formavam uma Ordem não a partir deles e do que eles faziam, mas sim a partir do Espírito do Senhor e daquilo que Ele operava no meio deles. Pedia ainda que os frades contrapusessem o espírito de vanglória, soberba e prepotência de uma vistosa e longa cabeleira, pelo espírito de simplicidade, pequenez, humildade e minoridade de uma coroa simples e pequena. E concluía: “Junto de Deus não há acepção de pessoas (Rm 2,11), e o Ministro Geral da Ordem que é o Espírito Santo, pousa do mesmo jeito sobre (Is 11,2) o pobre e o simples (2C 193).

Conclusão: Evangelizadores com Espírito
Desde o vaticano II vivemos um novo Pentecostes. Por isso, a Igreja e a humanidade exigem “evangelizadores com Espírito”, diz nosso atual Papa Francisco. E ele mesmo explica: “Evangelizadores com Espírito quer dizer evangelizadores que se abrem sem medo à ação do Espírito Santo. No Pentecostes, o Espírito faz os Apóstolos saírem de si mesmos e transforma-os em anunciadores das maravilhas de Deus, que cada um começa a entender na própria língua. Além disso, o Espírito Santo infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia e abertamente (parresia), em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contra-corrente. Invoquemo-Lo hoje, bem apoiados na oração, sem a qual toda a ação corre o risco de ficar vã e o anúncio, no fim de contas, carece de alma. Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa Nova, não só com palavras mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus” (EG 259).