O Ano Jubilar esta passando e o que eu fiz?



Frei Gabriel Dellandrea, ofm


Um tema que este ano parece estar na “boca do povo” no ambiente da Igreja Católica é a misericórdia. Ouvi muito falar sobre este, participei de cursos, palestras, formações, sermões e li artigos sobre. Tudo está muito bem encaminhado e parece que “mordemos a isca” que o Papa Francisco quis lançar no mar da Igreja para a oportuna reflexão sobre o que é ser uma igreja acolhedora neste Ano Santo da Misericórdia que vai chegando ao fim.

Num primeiro movimento, este tema convida-me a reconhecer a misericórdia de Deus. Ao sentir-me amado parece que o dia, a semana, o mês, a vida ganha um novo sentido, uma nova cor, uma nova perspectiva. O amor de Deus preenche até os cantinhos escondidos do nosso dia a dia.

Apesar daqueles pecados e erros que cometemos, como diz o Papa Francisco, Deus não se cansa de oferecer seu perdão. Na minha lógica pessoal isso dá um “nó na cabeça”. Normalmente, quando me sinto ofendido por uma pessoa, nem quero papo, ou mesmo procuro me afastar. Mas, Deus abre-se numa dinâmica diferente. Ele, apesar dos meus vacilos, quer ainda ter papo comigo. Ou melhor, mesmo que eu erre com ele, ainda mais ele que falar comigo, estar comigo, me perdoar.

É interessante que esse ponto atinge bem o meu orgulho próprio, minha vontade própria. Talvez esteja ali uma ação concreta de misericórdia, pois a dinâmica que Deus age é totalmente outra, que é linda e leve. Ele não sabe oferecer o “prato da vingança que se come frio”. Ele só sabe oferecer amor e calor, calor de Pai. Eu que às vezes, em nome Dele, talvez esfrie a misericórdia.

E fiquei pensando numa forma concreta de como essa misericórdia leve e natural de Deus acontece no meio em que eu vivo. Uma coisa é eu aplica-la conceitualmente. Vou perdoar por que tenho que ser misericordioso. Outra coisa, bem diferente, é eu já estar na dinâmica dela, sabendo o caminho a se percorrer com ousadia e criatividade. Por isso depois de muito pensar, cheguei a uma conclusão um tanto divertida.

Nós adultos, na grande maioria das vezes, tornamo-nos tão polidos que quando ofendemos temos que pedir desculpas e quando somos ofendidos temos que chamar a atenção. Isso muitas vezes serve para lembrarmos que temos que nos rebaixar em pedir desculpas ou avisar ao outro que está pisando no nosso pé. Entretanto, as crianças tem uma chave de leitura para o que eu penso ser misericórdia que é muito interessante.

As crianças são capazes de brincar uma tarde inteira. São amigos e irmãos. E durante essa tarde, acontece muita diversão. Entretanto, sempre tem uma briguinha daqui, um empurra-empurra dali. Mas não demora muito tempo, parece que uma coisa estranha, uma força “sei-lá-o-que” as une novamente. E pronto. Qualquer problema já foi resolvido. Às vezes é feito até um pedido de desculpas, mas a tarde continua, a brincadeira continua, a amizade continua, a diversão e a alegria continuam. Isso mostra que as crianças sabem olhar de igual pra igual. Não tem aquele melindre hierárquico que, por vezes, os adultos criam. Não tem orgulho e inveja, mas amizade e desejo de continuar a brincadeira e a leveza da vida.

Penso que a misericórdia entre irmãos está ali. Tenho amigos, e por vezes sei que ofendo eles, que são meus irmãos de caminhada. Tenho minha família, pessoas conhecidas, e talvez no terreno baldio da vida, no meio de alguma brincadeira eu os tenha ofendido. Entretanto, a chave está aí nas crianças, com seu olhar puro. Pedir desculpas ou desculpar não é para formalizar a coisa. A misericórdia não está só ali, ao meu ver. Mas está em deixar de lado o orgulho e ir novamente brincar junto, pois o que está acima de tudo é que somos irmãos. Sei que não vivo isso, mas fica como uma proposta um tanto encantadora e ousada.

E com Deus penso que a dinâmica é parecida. Ele nunca erra comigo, mas eu às vezes faço umas brincadeiras que o ofende. Todavia, ele nunca deixa de ser meu amigo. Apesar de minhas idas e vindas, entre alegrias, desejos honestos e pecados, ele está sempre de braços abertos esperando um terreno de barro para brincarmos e vivermos juntos. O que está em primeiro lugar não é que sou um pecador, mas que como um pecador, sei que a misericórdia de Deus é tão grande, mas tão grande, que somos grandes amigos. Esta amizade não é de cima para baixo, mas de Pai para filho, de Criador para criatura. Que saibamos ser como crianças, que nas brincadeiras sabem perdoar, pois o mais importante é a amizade e a possibilidade de nos divertirmos juntos, na caminhada da vida.