Reflexão Dominical: O morro dos pés de tangerina...



Frei Gabriel Dellandrea, ofm

A comunidade onde fica a casa dos meus pais é ladeada por duas montanhas que parecem ser guardiães da pequena cidade. Numa das montanhas há um grande pasto onde as vaquinhas e os boizinhos do vizinho fazem as suas refeições, e é claro, descansam na sombra das frondosas árvores que ficam fazendo fronteira com a cerca da área de pastagem. Do topo da montanha é possível ver bem quase que toda a comunidade, com as casas, os comércios, a escola, a igreja e os arrozais.

A paisagem que eu estou descrevendo repousa prazerosamente na minha memória. É só chamar que ela logo acorda e vem me recordar da beleza da cidade que vivi quando pequeno. Este conjunto de componentes naturais era o meu cotidiano, onde via este pasto toda vez que olhava para as montanhas, esperando a chuva que vinha chegando devagarzinho nos finais de tarde no verão. E nessa área de pastagem havia um detalhe que me chamava muito a atenção: três pés de tangerina, bem no topo do pasto. Eram produtores de deliciosas frutas, e para chegar até elas era inevitável um longo percurso de caminhada com subida, que demandava coragem e aventura. Mas o bom era descer o morro com uma “sacolada” de tangerinas... é claro que algumas delas já eram devoradas pelo caminho.

E sempre que vou de férias, olho para os montes e vejo as ditas árvores. Sei que de lá saiu coisa muito boa pra comer, embora o caminho é difícil de subir pra pegar. E aproximando-se a liturgia que a Igreja recomenda na Solenidade de Todos os Santos e Santas, tenho um paralelo a fazer.

Como os pés de tangerina, os santos foram pessoas que fizeram o seu caminho frutuoso de vida. Eles hoje são referência, e ao passarmos pelos caminhos da vida, não há como não olhar aos montes e ter a saudosa recordação de que eles produziram frutos bons. Do exemplo de vida deles dá para colhermos “sacoladas” de fantásticos e deliciosos frutos, que pela conformidade com a Palavra de Deus nos alimentam abundantemente.

Os santos e santas nos deixam duas lições que podem ser interpretadas a partir da arte de ir colher tangerinas no pasto. A primeira delas é a certeza de que toda árvore que dá frutos sofre mais. Ela leva pedrada das crianças para os frutos caírem, várias pessoas sobem nos seus galhos para colher seus frutos. Além disso, sofrem a época da poda, da seca, da falta de frutos... Algumas até sofrem a infelicidade de serem cortadas por fazerem muita sujeira quando seus frutos, que não são colhidos na totalidade, esborracham-se pelo chão.

E da mesma forma, os santos também sofreram, apesar de darem bons frutos. Tiveram seus períodos de produção e de seca, de preparação e de ação, de conversão e de evangelização. Também eles foram atacados por pedradas pela sua radicalidade, pois muitos os invejavam ou não queriam que eles dessem seu testemunho de cristãos. Alguns de seus contemporâneos os injuriaram, insultaram e perseguiram, mas Jesus era o conforto: "Alegrai-vos e exultai, porque grande será a vossa recompensa nos céus” (Mt 5, 11). E por isso, apesar dos sofrimentos, os santos e santas não deixaram-se desanimar. Pelo contrário. Ainda mais fortaleciam-se na sua missão.

A segunda lição que posso retirar das lembranças do tempo de criança, na aventura de ir buscar tangerinas no morro, é a certeza de que o caminho dos santos foi um desafio. No Evangelho deste dia de Todos os Santos e Santas, Jesus sobe o monte para proferir o Sermão das Bem-Aventuranças. Paralelamente o caminho de santidade é como subir um monte. Exige esforço e desafio, mas a visão de cima é sempre agradável. Para se chegar na árvore dos frutos bons, lá no pasto da minha comunidade, era preciso também a subida!

Ainda nesta lição, há uma frase que sempre ouço que é de Madre Teresa de Calcutá. Suponho que seja, mas se não for, eu ainda assim acho interessante e combina bem com esta reflexão. Ao ser abordada por uma jovem que queria ser consagrada, a Santa da Pobres assim responde: “Prepare-se minha filha, pois o caminho é de subida!”.

Subir é uma atitude de desafio, de esforço, de querer. Para colhermos os frutos da santidade, cada passo parece ser uma subida que nos aproxima mais da árvore que nos oferece a plena saciedade. Quem sobe a trilha das bem-aventuranças prova a doçura de um fruto que nunca enjoa, mas sempre revigora. O desejo que fica é o de encher a sacola e levar aos outros. Como nos diz o Papa Francisco, quem se sente amado por Jesus só pode espalhar alegria.

Que Deus Pai nos inspire, pela intercessão daqueles que um dia já fizeram seu caminho de subida, a realizarmos nosso caminho de santificação. Que passo por passo, procuremos ter o espírito de pobreza e que tenhamos fome e sede de justiça. Que possamos ser mansos, humildes, misericordiosos e que promovamos a paz. E se por ventura formos perseguidos, nunca nos esqueçamos que: “Há criaturas como a cana: mesmo postas na moenda, esmagadas de todo, reduzidas ao bagaço, só sabem dar doçura” (Dom Helder Câmara).